The Town of Light não é um jogo de terror. Quero deixar isto bem claro logo no início, pois existem releases oficiais mal traduzidos circulando por aí, indicando erroneamente que este jogo se trata de uma história de terror.

A verdade é que The Town of Light é mesmo uma obra com temática adulta, porém está longe de ser assustador por si e não traz absolutamente nenhum momento de “pular da cadeira”. Ao contrário, é um jogo que leva o jogador a uma longa reflexão sobre a mente humana.

O segundo ponto importante para ser colocado inicialmente é que estamos falando de um adventure, um “walking simulator” dos mais tradicionais. Andar, ler longos textos, escutar histórias, desbloquear cutscenes, andar muito mais, ler mais um bocado, investigar um objeto… nem pense em sair deste ciclo porque não vai acontecer.

Não estamos abordado um jogo, essencialmente. O vídeo game é apenas a mídia pela qual esta obra se desdobra, tornando-se a experiência psicológica que realmente é.

Loucura, ficção ou realidade?

A história se passa em primeira pessoa no Asilo Psiquiátrico de Volterra, na Itália, uma instituição que foi fechada no final da década de 1970, quando as leis italianas obrigaram o fechamento desta e das demais instituições semelhantes e a devolução aos pacientes dos seus direitos civis. A história é narrada pela personagem principal, Renée, que foi internada em Volterra aos 16 anos de idade, durante o duro e opressor período da Segunda Guerra Mundial, e passou a maior parte da sua vida ali.

Renée é o retrato de uma paciente com graves problemas mentais. E este é o mote principal do jogo. Segundo os próprios desenvolvedores:

“O objetivo do projeto é falar sobre as doenças mentais,” afirma Luca Dalcò, chefe-fundador do estúdio LKS.it. “Este é um dos principais problemas que afetam a vida diária de pessoas por toda a Europa e pelo mundo. Ao contar estas histórias e trazê-las aos jogos de videogames, nós fazemos nossa parte em ajudar a “desestigmatizar” as doenças mentais e trazer à tona as dificuldades de quem sofre com elas.”

The Town of Light é real e perturbador

Vencedor de prêmios como o indieDB Editor’s Choice Award 2015 por “Melhor Visual” e o Game Connection Paris Award 2014 de “Melhor Narrativa”, podemos considerar seus títulos um excelente resumo dos pontos altos da obra.

O prêmio de “Melhor Narrativa” traz à tona, com maestria a imersão aprofundada, o que o jogador vai encontrar na história de Renée, que se passa em primeira pessoa e nos afunda nas aflições de uma mente que não consegue distinguir com precisão o certo do errado, o aceitável do inaceitável e – pior de tudo – a realidade da imaginação. “Minha cabeça está confusa e só piora” é, ao mesmo tempo, a sensação do jogador e da personagem principal até muito perto do final do jogo.

Já o prêmio de “Melhor Visual” é um merecimento à parte. Talvez a mais impressionante de todas as características do jogo seja a precisão milimétrica com que os produtores conseguiram representar os prédios do Asilo Psiquiátrico de Volterra. A instituição fora retratada nos dias de hoje, já desgastada, pichada e destruída, com uma perfeição raramente conseguida em jogos do estilo. Cada tijolo, cada cômodo e cada telhado ruído, cada móvel puído estão exatamente onde se encontram no mundo real, e os gráficos artísticos da obra ajudam a criar um ambiente ao mesmo tempo real e abstrato, com uma fidelidade impressionante de detalhes, mesmo quando a história se passa dentro da cabeça confusa da nossa personagem.

Esqueça um pouco o vídeo game. Você vai se sentir andando pela exposição de um artista que há muito perdeu sua cabeça e hoje se comunica apenas através da sua arte.

O envolvimento é alucinante e, salvos pequenos detalhes técnicos de polimento e a gameplay cansativa do estilo “walking simulator”, a experiência pode ser considerada uma das mais arrepiantes da atualidade. Sentir na pele a confusão, os abusos e os medos de Renée é tudo o que o jogo vai te entregar, em detalhes sórdidos e desconfortáveis.

Um jogo que não é um jogo

Não espere uma gameplay animada ou mesmo um jogo de altos e baixos. Você vai se sentir mal, lá embaixo, com uma sensação constante de depressão e medo, permeada por pequenos momentos de uma confusa, distópica e fugaz felicidade. Não se engane, The Town of Light um jogo adulto e muito pesado.

Por este motivo o jogo também não pode se enquadrar como uma aventura. Não se trata disso. Você se engaja numa intensa investigação, sem descanso, com leituras pesadas e momentos de total confusão. Um diário complexo, minucioso, que conta uma história de muita dor a cada página que se lê.

Não é fácil jogar The Town of Light e não é para qualquer um. Se você busca um jogo de videogame, pode parar nesta análise e desistir. Não é o que você vai encontrar ali. Por outro lado, se você busca uma experiência psicológica e sensorial, um Thriller de investigação dentro de um bom suspense caótico, mergulhado na dinâmica imersiva dos videogames, então você deve experimentar esta obra.

The Town of Light está disponível para PlayStation 4, Xbox One e Windows PC.