Horizon Zero Dawn levantou muita atenção desde o seu anúncio, não apenas por se tratar de uma nova propriedade intelectual de RPG sci-fi, mas por ser um jogo audacioso em uma indústria carente por novidades.

A nova obra da Guerrilla Games também não se trata apenas de um sopro passageiro de frescor selvagem neste mercado, mas de uma experiência completamente nova para se viver. E uma das que realmente valem a pena.

Horizon Zero Dawn: um novo começo

A Guerrilla Games ficou bastante conhecida pela série Killzone, mas não havia conquistado uma consagração mundial até o lançamento deste jogo. Um detalhe importante foi o desenvolvimento da engine Decima, própria e totalmente voltada à criação deste RPG de mundo aberto. Aliás, apesar de ser mais um game a apostar no gênero entre tantos outros atualmente lançados no mercado, Horizon Zero Dawn tem a grande qualidade de possuir um mapa no tamanho ideal para suas necessidades.

E porque mais um RPG, mais um jogo de mundo aberto, mais uma aventura pós-apocalíptica, se tornou um sucesso imediato entre o público e crítica especializada? A resposta exata seria: ter tudo o que um RPG precisa, sem exagerar em nada.

Horizon Zero Dawn não é um jogo inovador na maioria dos aspectos, mas suas qualidades estão muito acima de qualquer defeito.

A formula para isso foi a soma de dezenas de mecânicas que já deram certo em outros grandes jogos de sucesso como Bloodborne, Shadow of Mordor, The Witcher, Tomb Raider, Uncharted ou tantos mais quanto poderíamos enumerar, e a habilidade de trazer todas estas mecânicas em sistemas um pouco melhores. E são tantos que não vale a pena listar um por um aqui.

Por isso, sejamos objetivos com cada um de seus aspectos principais.

O mundo aberto e os gráficos de Horizon: Zero Dawn impressionam até os mais exigentes especialistas.
O mundo aberto e os gráficos de Horizon Zero Dawn impressionam até os mais exigentes especialistas.

Roteiro e história

A história será uma das mais instigantes e misteriosas com a qual você já se deparou. Não é novidade para ninguém que Horizon Zero Dawn se passa em um planeta Terra pós-apocalíptico, milhares de anos depois da nossa era. Sabendo disso não é difícil conceber que boa parte da imersão estará na busca pelo que aconteceu conosco, nós aqui, do passado.

A segunda obviedade do game está na confusa relação que robôs gigantes em forma de animais pré-históricos podem ter com uma sociedade humana tribal, na aurora da sua existência. Pois saiba que esta “obviedade” se torna cada vez mais e mais misteriosa e o único segredo que será revelado antes do fim é a absoluta necessidade que o jogador terá de descobrir o que aconteceu.

A história de Horizon Zero Dawn não entrega nenhuma pista facilmente, ao mesmo tempo que deixa o jogador cada vez mais curioso sobre seus mistérios e verdades.

E, sim, você vai sofrer com tantos mistérios mas, não, você não se cansará deles e será recompensado com uma experiência incrível por buscá-los até o fim. Provavelmente esta garantia é a única que podemos oferecer sem tropeçar em qualquer spoiler a respeito da história ou mesmo influenciar a boa experiência do jogador.

Então espere por uma história muito boa e muito instigante do começo ao fim, cheia de questões éticas, políticas e debates importantes, sobre os quais falaremos mais adiante.

Por outro lado, dentre os fatores negativos relacionados, fiquei bastante decepcionado com o roteiro e o script dos personagens secundários. Eles existem, alguns são bons, outros são engraçados ou dramáticos e outros ainda te darão forças para continuar sua busca. Mas a verdade é que, fora dois ou três deles, suas histórias não se mostram tão relevantes quanto deveriam. Este detalhe é reforçado por alguns problemas técnicos em relação à sincronização da dublagem, que ocorrem vez por outra em alguns encontros.

Em termos de roteiro, creio que faltou à Guerrilla a experiência necessária para produzir uma história rica em pormenores. Falta tempo. Faltam pausas dramáticas que conectem as diversas histórias enquanto processamos e aceitamos a existência dos coadjuvantes. Não nos dão tempo para que nos apeguemos a eles e depois os afastam da história muito abruptamente, tanto quanto entraram. Mesmo os que voltam lá pelas últimas missões fazem pouco mais do que nos colocar em missões secundárias de menor valor.

Isto nos leva a outro ponto fraco: as sidequests não variam muito além de “vá em tal lugar e busque algo”, “investigue o que aconteceu com tal pessoa” ou “mate aquele monstro para mim”. Pouca motivação vem das missões secundárias, que somam ainda alguns desafios tradicionais no estilo “caça pelo troféu” ou “destrua os acampamentos dos bandidos”.

Os personagens e missões secundárias do jogo deixam um pouco a desejar, mas não tiram o brilho da excelente trama principal.
Os personagens e missões secundárias do jogo deixam um pouco a desejar, mas não tiram o brilho da excelente trama principal.

Gráficos e mecânicas

Não é preciso falar muito a respeito das técnicas gráficas empregadas em Horizon Zero Dawn. As longas horas investidas pela equipe de produção na análise minuciosa de documentários da National Geographic em busca da recriação perfeita de paisagens naturais e transições de luz foram recompensadas com um dos mundos mais incríveis de se observar.

Pela primeira vez deixei de lado uma história empolgante para perder muitos minutos com o excelente modo fotografia do jogo. Cada nova floresta, deserto, planície e montanha nevada trouxe consigo o impulso de aplaudir de pé o mundo criado sobre a Decima Engine da Guerrilla. Um poder gráfico que nos faz acordar de vez para a próxima geração de jogos nascida do poder do hardware dos consoles atuais.

Mais do que isso, a arquitetura vai do simples ao exuberante com uma fluidez impressionante. Imagine você, de pé, numa tribo que remete à pré-história, realizando uma missão e, três minutos depois, dentro de um ambiente totalmente futurista, com um maquinário mais moderno do que se pode imaginar.

É de se pensar que dentro deste espaço tão curto de tempo e tão longo de eras algo esteja fora do lugar e cause estranheza, certo? Pode pensar outra vez. Você não encontrará absolutamente nenhum objeto que causará este tipo de sensação de deslocamento sem uma justificativa. Tudo ali está conectado de forma perfeita e, mesmo que um tanque de guerra voador ou um edifício espacial sejam encontrados numa floresta tropical, estarão perfeitamente corroídos pelo tempo e pela falta de gentileza das eras, fazendo tanto sentido quanto qualquer árvore centenária.

A genialidade do mundo de Horizon Zero Dawn está no fato de que o passado é absolutamente futurista, enquanto o futuro é totalmente pré-histórico, o que justifica a introdução e adoção de quase qualquer tipo de tecnologia, arquitetura ou conceito.

Para tornar tudo coeso os desenvolvedores projetaram cidades completas, depois desconstruíram-nas como se uma guerra tivesse passado por ali e, por fim, imaginaram como uma floresta teria incorporado tudo isso com o passar de alguns milênios, deixando apenas rastros de tudo aquilo que um dia fora moderno e cotidiano, sem ferir a paisagem.

Usando esta mesma técnica para imaginar o meio-ambiente, o conhecimento, a arquitetura, etc., construiu-se o ecossistema praticamente perfeito do mundo de Horizon Zero Dawn. Um mundo pós-pós-apocalíptico, que transita entre o amanhã, o ontem e o hoje.

Esta fluidez imersiva do ambiente somada ao desenvolvimento criativo da história permitiu a inserção de mecânicas consideradas maçantes em outros jogos, de forma totalmente inovadora. Ler audiologs e diários não está nem de longe entre as atividades chatas. Você se interessa por saber TUDO e a inclusão de cada diário no local correto, onde você deveria e precisaria encontrá-lo, faz com que o jogador QUEIRA executar tarefas que em outros jogos seriam irritantes.

Ferramentas como o Foco se tornarão totalmente naturais dentro da gameplay e o jogador as considerará úteis, não irritantes. Como dito no início desta análise, sistemas criados em outros jogos foram melhorados em Horizon Zero Dawn e isto foi o que permitiu ao jogo ter tanta qualidade e importância mesmo sem ser particularmente inovador.

No outro extremo temos a jogabilidade. Aqui o jogo mostrou o quanto um bom investimento de tempo e esmero no design de interface fazem a diferença na experiência do usuário, no lugar dos sistemas de RPG em si, que já foram testados e estressados em tantos outros jogos antes de Horizon Zero Dawn.

A primeira coisa a se dizer sobre as mecânicas de combate é que elas funcionam. Você lutará com cada robô dinossauro com o mesmo entusiasmo do começo ao fim. Ah, como as lutas são empolgantes e como a dificuldade aumenta na medida certa! Há necessidade de estimular a estratégia e aprender novas táticas para lutar contra inimigos cada vez mais poderosos, obrigando o jogador a apelar para quase uma dezena de armas diferentes que o jogo oferece. É claro que o arco-e-flecha e a lança serão sua base em qualquer batalha, mas nada vai se comparar ao momento em que uma manada de robôs furiosos cai na armadilha perfeita que você criou alguns minutos antes.

Depois de algumas horas de experiência, você passará a olhar aqueles cânions estreitos com um sorriso no rosto, imaginando um robô gigante, preso por cabos, sendo rapidamente eliminado por uma chuva de estilingue explosivo e alguns tiros da arma que você tirará da própria vítima. As possibilidades são infinitas para quem possui armas tão complexas e criatividade suficiente para querer para usá-las.

Por outro lado, dois pontos fracos se colocam neste momento.

O primeiro é o combate conta inimigos humanos. Os famosos bandidos também estão entre os principais vilões de Horizon Zero Dawn mas, apesar de mais inteligentes e prontos para te encher de flechas e tiros, pode esquecer da diversão. Nada evoluiu aqui e, além de te irritarem cada vez que aparecem, eles ainda te deixarão com a impressão de que a personagem principal é péssima no combate corpo-a-corpo. Realmente este não é o ponto forte do jogo, mas “invadir o acampamento de bandidos” e perder horas matando cada um deles silenciosamente, sem chamar atenção dos seus colegas, já aconteceu em jogos demais para ainda encontrarmos graça nisso.

O segundo ponto não é uma verdade universal, mas jogadores que não gostam de crafting podem se sentir desconfortáveis neste jogo. Não entenda mal: os menus são bons, a árvore de habilidades é muito útil e os itens igualmente, mas a necessidade de construir cada uma das flechas utilizadas, bombas, aumento de inventário, poções etc., pode ser um pouco chato para quem não aprecia esta mecânica tradicional dos RPGs.

É verdade também que atalhos muito práticos foram incluídos (mais uma vez o design de interface!) para que não se perca tempo demais ou seja necessário pausar a diversão durante a montagem de munição durante no meio da batalha. Mas, quando se enfrenta um tiranossauro gigante, parar a luta duas ou três vezes para montar mais flechas parece algo um pouco deslocado e irrelevante, já que ter flechas o suficiente para duas ou três batalhas além desta seria mais efetivo.

Mas que fique claro que estes são pormenores que não conseguem tirar o brilho das excelentes mecânicas das batalhas que você enfrentará em Horizon Zero Dawn, com chefes que tirarão seu fôlego do começo ao fim. Neste ponto, atingir o nível 50 da personagem (o máximo) não deixará o jogo menos emocionante. O perigo de perder uma luta e morrer continua lá, até para os melhores, mais preparados e mais experientes jogadores.

Uma experiência para se viver em um mundo perfeitamente coeso e imersivo, é o que o aguarda em Horizon Zero Dawn.
Uma experiência para se viver em um mundo perfeitamente coeso e imersivo, é o que o aguarda em Horizon Zero Dawn.

Aloy e o mundo

A personagem principal é Aloy, uma garota exilada pela própria tribo, criada sob a tutela de um guerreiro de bom coração, mas um pouco longe do papel de núcleo familiar, que fez da garota uma guerreira forte, determinada e vigorosa em seus objetivos, porém, ainda assim, isolada do mundo.

Aloy é tudo o que se espera de uma heroína, mas sua recém atingida vida adulta traz dúvidas que a tornam ainda mais real. Aloy sabe o que é certo e o que é errado, mas qual é a função da religião, da política e da filosofia dentro disso? Como será o mundo lá fora e as pessoas que vivem nele? Porque todos a tratam de formas tão diferentes?

Estas e outras respostas serão escritas no livro em branco que se abre diante da sua jornada, motivada pela busca pessoal das suas origens. O amor, os relacionamentos, sua feminilidade e todo o resto tornam-se objetivos secundários durante sua aventura, mesmo assim farão parte da experiência de Aloy tanto quanto do jogador que a conduz.

Outro fator que influencia de forma direta o desenvolvimento de Aloy como personagem é o fato de que Horizon Zero Dawn é um jogo feminista. Você notou? Não? Então siga este raciocínio:

Nos colocar na pele de uma personagem feminina, exilada, nascida em uma tribo matriarcal, de uma raça considerada inferior pela maioria, nos dá uma perspectiva interessante e nos obriga refletir sobre diversos assuntos éticos à partir de uma ótica bastante alternativa. Mesmo que a maioria não perceba de imediato que essa mudança de posicionamento ocorreu, seja de qual for o sexo, raça ou credo do jogador, ele se identificará e aprenderá com as questões de Aloy;

Uma garota exilada no nascimento, sob a influência de uma tribo matriarcal, isolada do mundo exterior numa área restrita, vivendo sob a tutela de um homem simples, sem conhecer qualquer outro tipo de cultura ou malícia. É de se esperar que Aloy não entenda nada sobre o mundo que a aguarda além do seu exílio e que esta experiência se construa ao longo da sua jornada, ao entrar em contato com a realidade que já conhecemos: o sexismo, a corrupção, a guerra, os vícios, a traição. Nada parece fazer sentido para Aloy no início e essa inocência é claramente transportada para as decisões do próprio jogador;

A ignorância de um militar que não respeita Aloy por ser mulher, a brutalidade de um clérigo que maltrata um escravo de outra raça, um pai que não escuta a própria filha a ponto de quase perdê-la, ou alguém que a despreza porque é uma selvagem. Para Aloy não existe meio termo nestas questões, já que a sua inocência permite, ao mesmo tempo, observar tudo de um ponto de vista novo e tomar decisões baseadas no único conceito que ela conhece: certo ou errado.

Uma obra de ficção pode se dar o direito de colocar tudo preto no branco, escrever certo por linhas retas, deixando as linhas tortas para o mundo real. E assim, o jogador soluciona cada um destes problemas éticos da forma mais obvia e simples, sem cobrir tudo sob o véu da dúvida da realidade, enquanto Aloy nos ajuda a colocar gotas de sanidade em cada uma destas questões éticas.

Tudo isso colocado de forma tão suave dentro da temática sci-fi de Horizon Zero Dawn que até mesmo o mais machista dos homens ou a mais racista das pessoas poderia passar despercebido por dentro deste mundo claramente feminista, por cada um dos seus debates políticos e éticos, mas não sem ter muito o que refletir depois. Pelo menos assim espero.

Um jogo com detalhes técnicos que vão, sim, do positivo ao negativo, mas certamente uma experiência única para ser vivida por cada jogador que mergulhar em Horizon Zero Dawn. E, na minha opinião, vale a pena experimentar e viver esta obra moderna, do seu jeito.

Pontos fortes:

  • História
  • Gráficos e ambientação
  • Gameplay e arsenal
  • Sistemas de RPG
  • Debate de questões éticas
  • Personagem principal

Pontos fracos:

  • Script e voice action
  • Personagens secundários
  • Sidequests
  • Excesso de crafting